Nunca me esqueço do dia em que percebi que a sala da casa do meu avô em que eu e meus primos brincávamos todo Natal era bem menor do que realmente é quando voltei lá adulta. Uma vez, Rubem Alves disse “se você amou um lugar, não faça a besteira de visitá-lo”. E ele disse isso argumentando que não devemos fazer isso porque iremos visitar esse lugar acreditando que vamos encontrar o tempo que vivemos quando pisarmos lá e isso não se cumpre. O tempo já não está lá e não cabe no agora.
Isso acontece com as lembranças boas e com as ruins. Acontece com os nossos traumas também. Vou te dar um exemplo: há um tempo atrás, eu fiquei com medo de andar de elevador por já ter ficado presa muitas vezes e toda vez que eu entrava, achava que ia acontecer de novo. Eu não tenho mais esse medo, mas obviamente gosto não de ficar presa, sinto minhas mãos suarem pelas lembranças que chegam. Isso quer dizer que não aconteceu outras vezes? Não. Aconteceu e eu tive medo quando aconteceu. Mas nenhuma vez é nem nunca foi igual a outra e isso sempre confrontou a minha memória e o meu medo de que fosse viver um mesmo momento.
Como nenhum dia é igual ao outro. Mesmo que você acorde de manhã e faça exatamente as mesmas coisas, no mesmo horário e até com as mesmas roupas, o dia será outro, você também será. Nós todos seremos por causa do tempo que nos atravessa e também das inúmeras possibilidades.
Eu gosto muito de um livro que fala sobre isso - a diversidade de possibilidades que existem na vida - que ficou bem famoso e se chama Biblioteca da meia-noite, do autor Matt Haig. Nele, a personagem principal está vivendo uma crise com sua própria vida e as escolhas que fez até o momento que é levada para um lugar em que pode saber como sua vida seria se tivesse feito cada uma das outras infinitas possibilidades de escolha que não fez. Acho que todos nós já pensamos assim, não? Como nossa vida seria se tivéssemos feito algo diferente.
Eu gosto muito também do final desse livro e não vou te contar porque acho que você vai gostar de ler. Isso me lembra que essa sensação de viver algo “de novo” ou de encontrar/desencontrar um lugar acontece comigo também com os livros. E acontece muito. Te explico.
Quando leio um livro que me captura da minha vida por algumas horas, não percebo esse fenômeno. O que acontece é que a minha memória de leitura fica costurada também à minha versão de mim que leu aquele livro - o lugar em que estava, os pensamentos que tinha, a roupa que usava, o cheiro da cadeira, até a temperatura do ambiente fica. Fica tudo que estava comigo naquele momento, junto com a história e todas as coisas o que ela me trouxe.
Quando olho para a minha estante, vejo um livro de capa branca que li numa viagem para a praia e terminei sua última página no último dia do ano, enquanto a tarde caía, deitada na cama da casa que alugamos, mas que estava com o lençol da cama da minha casa e me fazia esquecer que não estava no meu quarto.
Também vejo um outro que li quando estava numa viagem com meu pai e minha irmã, mas o livro era tão bom que eu gastava todo o tempo que eles dormiam de tarde sentada com ele no colo numa varanda que se tornou um dos meus lugares favoritos do mundo porque a vista era de um verde imenso quase floresta todas as manhãs, mas na minha vida mesmo eu vivia um tempo difícil e precisava tomar decisões que não tinha a menor coragem.
Eu te contei de dois, mas isso acontece com todos os livros que eu já li - e espero que aconteça também com os que ainda vou ler. Eles me trazem a voz de alguém e também me deixam com uma memória de mim mesma. Quando abro as páginas de cada um, consigo sentir a mesma sensação que vivia quando estava lendo e isso sempre me emociona. Aí está também o prazer das releituras: nunca é o mesmo livro porque não somos os mesmos leitores, mas a memória de cada leitura fica costurada naquelas páginas.
Então, apesar de uma certa frustração com os lugares que ficaram menores quando crescemos ou com os filmes que perderam um pouco da magia (ou nós que perdemos?) quando assistimos depois de muitos anos, com os livros eu acho que isso não acontece. Você pode até não gostar de um livro que gostava muito quando leu pela primeira vez, mas reler um livro é uma experiência outra, que acredito passar longe da frustração.
O que eu quis dizer com tudo isso é “dê livros de Natal”? Também, mas não apenas. Só quis aproveitar o ensejo. Na verdade, quero te convidar a ler nos dias bons e também nos ruins, principalmente nos ruins. As vantagens: 1- eles te ajudarão a drenar suas angústias e viver esses dias com menos peso de si mesmo e 2- quando você abrir cada um deles novamente, irá se lembrar que tudo aquilo passou.
Os nossos livros guardam muitas das nossas memórias que esquecemos. São como amigos que acompanham nossa jornada, estão sempre prontos para nos lembrar de quem somos e para onde sempre quisemos ir.
Uma semana cheia de boas memórias para você.
Beijos açucarados,
Mel
Para o seu café da manhã
Tapioca caprese
Ingredientes:
Tapioca (não pode ser a granulada)
Tomate (pode ser o que você mais gostar, eu acho que com o italiano fica maravilhosa)
Queijo padrão, mussarela ou meia-cura
Manjericão e folhas de rúcula se quiser
Azeite, sal e pimenta do reino
Modo de preparo:
Passe a tapioca em uma peneira sobre o fundo de uma frigideira desligada. Quando ela estiver coberta, ligue o fogo médio. Espere ganhar corpo de um lado para virar para o outro. Leve para um prato. Corte o tomate em cubos e tempere com sal, azeite e pimenta do reino. Na frigideira, coloque os tomates e espere soltarem água, uns 3-4min. Adiciona duas a três fatias do queijo da sua preferência e misture com os tomates até derreterem bastante. Leve esse recheio para a tapioca e adicione as folhas de rúcula ou manjericão. Está pronta!
Se fizerem, me contem o que acharam depois :)
Indicação literária dos leitores
Hoje a Lorena Zacarone (@lendonoescuro_ no Instagram) indicou o livro Amor às causas perdidas - Paola Aleksandra. A Paola é uma escritora que é também uma leitora voraz e cria conteúdo há anos sobre literatura nas redes sociais, me lembro de ler muitos livros que ela indicou no canal do YouTube! E a Lorena também é uma leitora apaixonada que cria conteúdo sobre livros nas redes sociais, sigam o Instagram dela para não perderem as indicações. Então acho que as duas deram um match por aqui, viu?
Se você também quer indicar um livro para os leitores da News, deixe nos comentários ou nos envie uma mensagem no perfil do Instagram (@domingocomacucar)!